‘Devolve o Sorriso Delas’: projeto oferece atendimento odontológico gratuito a mulheres vítimas de violência doméstica
- 05/10/2025

Projeto oferece atendimento odontológico gratuito a mulheres vítimas de violência O projeto “Devolve o Sorriso Delas”, promovido pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), oferece atendimento gratuito a mulheres vítimas de violência doméstica. Para garantir uma atenção humanizada, a iniciativa também realiza capacitação de profissionais da área. De acordo com Luciane Miranda Guerra, docente do Departamento de Saúde Coletiva, Odontopediatria e Ortodontia da FOP-Unicamp, o dentista é um dos profissionais mais procurados pelas vítimas porque as lesões, nesses casos, são na boca e no rosto. “E essas lesões não são nessa região por acaso. As lesões são na região de cabeça e pescoço porque, em geral, o agressor tem a intencionalidade de destruir a identidade”, afirma. 📲 Siga o g1 Piracicaba no Instagram A pesquisadora explica que o atendimento a populações vulneráveis não se resume à técnica aprendida na graduação, e que exige acolhimento, criação de vínculo, encaminhamento na rede de saúde e notificação do caso. Como surgiu a iniciativa? 🦷 A coordenadora do atendimento, Adriana de Jesus Soares, conta que a iniciativa surgiu no pós-pandemia, quando os casos de violência doméstica se tornaram mais frequentes. Foi necessário desmembrar esse atendimento do Serviço de Atendimento aos Traumatismos Dentários (SATD). Ela relembra que a proposta partiu dos alunos Rodolfo Figueiredo de Almeida e Yanna Omena Soares. Rodolfo contou ao g1 que o projeto, criado em 2021, se inspirou na “Turma do Bem”, que atende crianças em situação de vulnerabilidade, e em seu desdobramento, o “Apolônias do Bem”. “Dentro da ‘Turma do Bem’, alguns dentistas começaram a ver essa parte da violência doméstica e surgiu o projeto chamado ‘Apolônias do Bem’. [...] A Santa Apolônia é a padroeira dos dentistas”. Hoje, o projeto conta com apoio de alunas da graduação e da pós-graduação. FOP-Unicamp oferece atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica Acervo Pessoal/Adriana de Jesus Soares Como é o atendimento? 💉 O Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) de Piracicaba é responsável por encaminhar as pacientes. Adriana estima que cerca de 35 a 40 mulheres já passaram por triagem na FOP. Os filhos podem ser levados pelas vítimas no primeiro atendimento. Coordenadora do Cram, Fabiana Menegon informa que não há necessidade de comprovar a violência para ser atendida. Basta que a vítima procure o serviço, seja de forma espontânea ou pelo encaminhamento a partir da detecção da situação de violência. "Não há necessariamente a obrigatoriedade ou a necessidade de vir com um encaminhamento ou, de repente, ter um boletim de ocorrência, uma medida protetiva. Isto independe para o atendimento do Cram", explica. Apenas estudantes do sexo feminino realizam os atendimentos, que acontecem às quartas-feiras à tarde, na FOP. “Normalmente, a gente faz dois agendamentos por período. Por quê? Porque esses atendimentos são atendimentos mais longos, né? Principalmente na primeira consulta, que é feita toda essa coleta de dados. Então, a gente deixa sempre uma para a primeira consulta e outra de atendimento para procedimento”. Antes dos procedimentos, é feita uma anamnese específica, que é uma entrevista para coleta de dados e informações sobre a qualidade de vida da paciente. Além de uma avaliação física, com análises intraorais (condição bucal) e extraorais (face). “Algumas vezes, a paciente não relata essa agressão inicialmente, nas primeiras consultas, mesmo a gente sabendo que teve um histórico. Normalmente, elas relatam com mais segurança na segunda consulta”, afirma a docente. O que é feminicídio? Procedimentos 📋 Exodontia (extração dos dentes) Tratamento periodontal (gengiva) Tratamento de canal Tratamento de prótese O doutorando Rodolfo Figueiredo de Almeida afirma que o projeto proporciona experiências valiosas às estudantes envolvidas nos atendimentos. “Traz esse olhar um pouco mais sensível, de ver o ser humano ali como um ser humano que está fragilizado, que precisa de um apoio maior, que muitas vezes não é só a restauração ou o dente que a gente vai repor, mas também entender que é uma pessoa que precisa ser acolhida com bastante empatia”, conta. 🎓 Formar para acolher Luciane Miranda Guerra coordena frentes de pesquisa ligadas às mulheres e aos profissionais que as atendem, como dentistas, assistentes sociais, psicólogos e médicos. Júlia Vitório Octaviani iniciou sua pesquisa sobre os impactos da violência doméstica na saúde bucal durante o mestrado. Ela realizou um mapeamento das áreas mais vulneráveis ao serviço público. No doutorado, aprofundou a análise no Cram, investigando tanto o significado da violência para as atendentes quanto os impactos odontológicos nas vítimas. “A gente descobriu uma fragilidade no sentido de que as mulheres que trabalham no Cram também sofrem pela violência sofrida e atendida por elas. Isso foi uma das partes da minha tese. A outra parte foi descobrir diretamente qual era o impacto odontológico que a violência contra a mulher causava na boca das vítimas”, conta. Os impactos podem ser diretos, na perda de dentes, cortes nos lábios, fratura. Ou indiretos, como depressão, que reduz a frequência de escovação e aumenta o consumo de açúcar. Os problemas bucais provocados pela agressão também afetam os filhos das vítimas. Durante o penúltimo ano de seu doutorado, a Unicamp lançou um edital para a criação de um curso de capacitação e, junto com a sua orientadora, Luciane Miranda Guerra desenvolveu um projeto para capacitação de profissionais sobre violência contra mulheres, crianças e populações vulneráveis. Outra motivação para a criação do curso foi que o tema não é abordado durante a graduação, de acordo com Octaviani. “Hoje sou professora de universidade também e tento mudar essa realidade. Eu converso bastante com os meus alunos sobre violência. Mas é um assunto que, até então, é novo”, diz. Júlia Vitório Octaviani em curso capacitação para dentistas sobre o atendimento de vítimas de violência doméstica Acervo Pessoal/Júlia Vitório Octaviani O curso começou com foco em dentistas da rede pública de Piracicaba, formando 17 profissionais na primeira edição presencial. Com a alta demanda, tornou-se online. A segunda turma abriu 50 vagas e, até agora, 67 dentistas já foram capacitados. A próxima edição, com 100 vagas, abre inscrições em outubro e começa em fevereiro. “A gente tem que oferecer além da capacitação técnica, o dentista precisa de mais. Então, nós buscamos oferecer outros conteúdos”, afirma Luciane. Abaixo, veja os conteúdos abordados no curso: Diretos humanos Marcadores sociais Interseccionalidades História do movimento feminista Notificação da violência Rede de atenção às mulheres vítimas de violência Acolhimento Curso capacitação de dentistas para o atendimento de vítimas de violência doméstica desenvolvido pela FOP-Unicamp Acervo Pessoal/Júlia Vitório Octaviani Um guia para quem cuida 📒 Para consolidar o conteúdo do curso, foi criada em 2024 a cartilha “A Equipe de Saúde Bucal e o Enfrentamento das Violências”, em parceria com a Universidade Estadual do Piauí e a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte, a pedido do Ministério da Saúde. O material gratuito orienta equipes do SUS com dados teóricos e recomendações práticas. “Todos os profissionais que atuam na atenção primária, nas equipes de saúde da família, todos os profissionais de saúde bucal recebem essas cartilhas para poder apoiá-los no atendimento a essas mulheres”. Lei 15.116 ⚖️ Em 2 de abril de 2025, foi promulgada a Lei n.º 15.116, que institui o Programa de Reconstrução Dentária para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica no SUS. A tese de doutorado de Júlia e seus produtos integraram os documentos que ajudaram a embasar a lei, que garante serviços odontológicos para reconstrução e reparação dentária. Duas frentes, um só propósito 🫱🏻🫲🏻 Enquanto o projeto “Devolve o Sorriso Delas” transforma a autoestima de mulheres na clínica, a capacitação multiplica esse cuidado. Os profissionais envolvidos nos atendimentos às pacientes também fizeram o curso. “Uma das coisas que a gente pediu para as alunas que iam participar com a gente, foi para que elas se inscrevessem no curso da professora Luciane para ter também essa base e esse olhar diferenciado, para trazer isso para o nosso atendimento”, conta Rodolfo, que junto de Adriana, integrou a primeira turma do curso de capacitação, buscando por contribuições para o atendimento. Existem outros projetos da faculdade que atende outras vítimas de violência, como crianças, idosos e população LGBTQIA+. VÍDEOS: tudo sobre Piracicaba e Região = Veja outras notícias sobre a região no g1 Piracicaba
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